História e lenda de Francisco no Caminho de Santiago
Frei Natalio: inspiração ao fazer o Caminho Francês...
Frei
Juan Natalio Saludes Martinez, da Ordem dos Frades Menores (OFM) de
Santiago de Compostela, é um estudioso da instituição e incentivador da
celebração do 8º Centenário da peregrinação de Francisco de Assis a
Santiago de Compostela, ocorrida em 1214. Estou certo que ele não é uma
unanimidade, pois tive a oportunidade de falar com mais de um frei
franciscano sobre a famosa peregrinação, e estes, talvez mais
“pragmáticos”, não estão certos de que ela tenha acontecido. Um deles me
disse que a peregrinação seria um dos famosos “Fioretti di San
Francesco”, ou Florilégio de São Francisco – escritos do século XIV
sobre passagens relatadas por discípulos do Santo, que mesclam lendas e
fatos verídicos. Ou seja, é acreditar... ou acreditar, exigindo para
isso uma boa dose de fé.
Frei
Natalio, pela qualidade da pesquisa que realiza há alguns anos –
sintetizada num minucioso artigo de 2006, o qual tive acesso, intitulado
“Francisco de Asís en las piedras del camino” –, acredita sim que
Francisco (5 de julho de 1182 - 3 de outubro de 1226), com
cerca de 32 anos, peregrinou em 1214 o Caminho de Santiago de
Compostela, tenha sido para pregar o Evangelho e manifestar sua
disposição de “reconstruir a Igreja”, divulgar os princípios da OFM,
enfim, celebrar as relíquias de Apóstolo Santiago!
“O
objetivo deste trabalho é mais um grito de socorro que uma apresentação
de resultados”, afirmou frei Natalio, na abertura do artigo, ao revelar
que foi levado à pesquisa quando peregrinava o Caminho Francês, em
2005. Em sua passagem por Santo Domingo de la Calzada encontrou uma
placa de madeira com a inscrição: "São Francisco esteve aqui”.
Foi
uma inspiração: “Eu, que achava que eram tradições esquecidas,
provou-se ser tradição viva, transmitida pelo povo de cada lugar. Nesta
busca sigo agora, pedindo ajuda para conseguir identificar o itinerário
que Francisco teria feito, em 1214, de Assis a Compostela”.
De
mim, tudo que apurei em minhas pesquisas, aprofundadas em Santiago de
Compostela quando terminei a peregrinação pelo Caminho Sanabrês, em
junho de 2013, está relatado neste blog, em posts de 26 de
junho de 2013, “Qual a rota de Francisco a Santiago?”; 30 de junho de
2013, “Francisco e o Caminho Aragonês!”; e em 29 de julho de 2013,
“Viagem a Assis inicia celebrações”. Aliás, muitas das informações que
obtive, copiando os painéis que decoram a Igreja de São Francisco em
Santiago, hoje sei que foram retiradas da pesquisa do frei Natalio.
Pela
qualidade deste trabalho, passei a adotá-la como guia para elaborar o
meu projeto do que teria sido o itinerário de Francisco de Assis a
Santiago de Compostela. Uma viagem que farei não totalmente a pé, pois
são mais de 2.200 quilômetros de distância!, mas utilizando ônibus,
trem, carro e minhas pernas..., em junho próximo, junto com minha esposa
Sandra. Enviei o plano de nossa viagem ao frei Natalio e fiquei
encantado com seu entusiasmo:
“Hola
hermano! Te felicito! Cuanta envidia poder ir a hacer este camino! Yo
añadiría el Cebreiro y Samos, como puntos donde seguramente San
Francisco se refugió. Si son puntos donde vs a hacer una crónica y nos
conectaras tu diario para seguir caminando contigo. Te aprece? Tenme
informado! Lo pondré como noticia a mis hermanos en nuestra web! Mil
graciaaaaaaaaaaaaaaas”.
Comemorei
os votos com Sandra e ambos estamos felizes em poder contar com o olhar
de frei Natalio – e, claro, de todos os familiares e amigos,
brasileiros e de países irmãos, peregrinos de coração, que estarão nos
acompanhando neste blog e pelo Face.
Neste post
minha pretensão é apresentar alguns trechos do trabalho do amigo
franciscano, para, por meio do compartilhamento, ajudá-lo em seu
objetivo de aprimorar, cada vez mais, qual teria sido a rota de
Francisco no início do século XIII – considerando as dificuldades de
transporte daquela época e o fato de que muitas cidades talvez hoje
tenham sido extintas, enquanto outras, agora centros urbanos, sequer
existissem...
Diz
o autor: “O objetivo do meu trabalho, talvez sempre germinando, apesar
de levar vários anos com ele, é estudar provas documentais e
iconográficas dos passos de São Francisco de Assis pela Espanha, que dão
origem a várias tradições locais, sem julgar a veracidade de todas
elas, mas considerando que cada uma delas é transmissora de algum fato
realmente acontecido”.
Frei
Natalio cita autores que elaboraram trabalhos anteriormente, dos quais
utilizou dados: Frei Atanasio López, que investigou o assunto por
ocasião do sétimo centenário da vinda de Francisco a Espanha, em 1914;
Frei Manuel Castro, que continuou o estudo histórico sobre a Província
Franciscana de Santiago; Frei José García Oro, que centraliza e situa o
tema na historicidade das origens franciscanas na Espanha; Frei
Victorino Facchinetti, que estudou o tema aplicado à arte.
Frei
Natalio apresenta o contexto histórico da peregrinação de Francisco,
frisando que a reconquista cristã da Península Ibérica era um tema
conhecido e muito falado na Itália. Ele recorda que os reis da Espanha,
liderados por Alfonso VIII, de Castela, se dirigiram ao Papa Inocêncio
III para pedir sua bênção em uma cruzada contra o emir Muhámmad
Al-Nasir, conhecido pelos cristãos como “Miramamolín” (Amir Al Mu'minin,
Príncipe da Crentes), quarto califa da dinastia almóada de Marrocos. Os
cristãos venceram a batalha de Las Navas de Tolosa em 16 de julho de
1212. Muhámmad Al-Nasir se exilou em Rabat, abdicando a seu filho
Yusuf-Al-Mustansir.
Em
1212 o arcebispo de Toledo, Ximénez de Rada, foi a Roma pedir ao Papa a
aprovação de uma Cruzada no Ocidente contra os almóadas, para os quais
ele mesmo pregou na Itália, França e Alemanha. A presença almóada na
Espanha foi exposta na Europa como uma ameaça para toda a Cristandade.
Os contemporâneos compararam a Cruzada do Oriente com a do Ocidente,
exortando os cruzados europeus a virem para a Espanha, “antes que seja
tarde”.
O
Papa Inocêncio III estimulou, mediante uma bula, aos Reis de Espanha
para que se unissem para a Cruzada, concedendo indulgências a quantos
europeus acudissem a Espanha para esta Cruzada, e ameaçando com
excomunhão quem quebrar a trégua com Castela causando brigas entre os
reinos cristãos, fazendo fracassar a unidade contra os almóadas. As
Ordens de Calatrava, de Santiago, do Templo e de São João também se
envolveram nesta cruzada. Em torno de Pentecostes, em 1212, o Papa
Inocêncio III, impôs em Roma um jejum de três dias para rezar pela
vitória dos cristãos na Espanha.
Francisco,
portanto, conhecia esta empresa cristã, tanto quanto as Cruzadas de
Oriente e planejou sua visita pacífica ao califa Miramamolín, com a
mesma convicção com que uns meses antes queria partir para a Síria e,
depois do Capítulo de 1219, foi finalmente até os muçulmanos, neste caso
para visitar o Sultão do Egito, Melek el Kamel, neto de Saladino,
durante a Quinta Cruzada.
Frisa
o autor: Se prestarmos atenção à tradição dos lugares que alegam ter
contado com sua presença, Francisco pode ter se dirigido a Espanha, em
direção a Sevilha, passando por Soria, Ayllón, Ciudad Rodrigo e, em
algum lugar deste itinerário, compreendeu a impossibilidade de levar a
cabo seu projeto. Os documentos dizem que uma doença o impediu.
Francisco, de Ciudad Rodrigo – desde 1175 o bispado sufragânea de
Santiago de Compostela –, teria se encaminhado a Compostela por devoção a
Santiago, como afirmam os documentos do século XIV, para tomar o
caminho conhecido da cristandade. A fama de santidade que Francisco
havia ganho durante a sua presença nos reinos cristãos teria permitido
contar, em sua passagem pelo Caminho de Santiago, com a recepção
favorável das populações, mosteiros e governantes.
Em
Vida I, de Celano, datada de 1228, biografia com a data mais próxima da
morte do Santo (1226), sem a emoção que o tempo faz com os santos,
conta que Francisco viajou para a Espanha, cujos objetivos não alcança
devido à doença. Diz ele: "Pouco depois (de fracassar em seu propósito
de ir à Síria para pregar o Evangelho aos muçulmanos), ele foi para o
Marrocos para pregar o Evangelho a Miramamolín e seus correligionários.
Tal era a veemência do desejo que o movia, que por vezes deixava para
trás seu companheiro de viagem e não afrouxava, ébrio de espírito, até
cumprir seu desejo. Mas louvado seja o bom Deus, que era bom e por sua
bondade, uma vez na Espanha, para evitar que continuasse adiante, lhe
mandou uma doença que o fez voltar seu caminho”.
A
lenda maior de São Buenaventura, biografia quer é a oficial e
definitiva sobre São Francisco, submetida ao Capítulo Geral da Ordem em
Paris, em 1266, mais institucional do que objetivamente histórica,
amplia os dados sobre esta viagem: Francisco caminha para Compostela,
acompanhado de Bernardo de Quintevalle, seu primeiro companheiro a
abandonar riquezas e honras por uma vida de pobreza e busca de Deus.
Como Celano, nos diz que Francisco não chegou a terra dos sarracenos por
causa de uma doença.
O
Tratado dos Milagres, escrito entre 1250-1253, fornece evidências da
presença de São Francisco na Espanha e conta certos milagres. São
milagres ocorridos em "seu retorno da Espanha" fazendo o regresso do
Caminho de Santiago
São
os documentos posteriores ao século XIII – Actus Beati Francisci, os
Fiorettis e a Crônica da XXIV Generais – que abundam em ecos históricos
sobre a passagem de Francisco por terras catalãs e navarras. Documentos
que apresentam a estadia de Francisco em Santiago como o momento em que
se converte em fundador, recebendo de Deus o conhecimento de que sua
Ordem há de se instalar em conventos estáveis.
O
que dificulta a credibilidade é o fato de que os historiadores do
século XIII, que narram outras missões dos primeiros franciscanos, não
mencionam a viagem de Francisco a Espanha, tais como Jordán de Giano,
Thomás de Ecleston, Juan de Piancarpino e Salimbene de Parma.
Atanásio
Lopez situa a viagem de Francisco depois da Páscoa de 1213, quando ele
recebe a doação de Monte Alverne, e novembro de 1215, data em que
participou do IV Concílio de Latrão. García Oro a restringe aos meses de
maio a outubro de 1214, o que tornaria muito difícil aceitar uma grande
viagem missionária ou fundadora de Francisco de Assis por todos os
lugares que afirmam hoje haver contado com a sua presença.
Enfatiza
o frei Natalio que deve ser considerado que a peregrinação jacobea foi
um projeto da primeira geração franciscana em seu programa de expansão e
do programa do Governo da igreja, que necessitava de homens fiéis e
santos para combater as heresias. Também Santa Clara, de acordo com o
testemunho de Bonna de Guelfuccio em seu processo de canonização,
encarregou-a de visitar a Igreja de Santiago.
O
próprio Francisco incentivou entre seus primeiros irmãos a peregrinação
jacobea como itinerário de expansão. Desde o primeiro momento a Ordem
programa missões e irmãos para tomar esta direção. Uma primeira
expedição teria sido em 1217, sobre o comando de Bernardo de
Quintavalle. Webster diz que houve grupos de monges, antes da fundação
dos mosteiros mais importantes, que se estabeleceram na Catalunha e em
outros lugares, ou se somaram às fundações que estavam ocorrendo.
Em
1219 Juan Parente lidera uma expedição de 100 frades, conforme
encomendado por um Capítulo Geral celebrado neste ano e presidido por
Francisco de Assis. Frei Juan Parente é o primeiro Provincial de Espanha
e mais tarde Ministro Geral em 1227. A partir da década de 1220 surge,
em primeiro lugar, toda uma rede de mosteiros localizados em locais
estratégicos do Caminho de Santiago, e mais tarde em outras cidades. O
que a princípio tinha sido uma presença missionária, motivado pelo zelo
franciscano de converter os muçulmanos e os albigenses e promover entre
os cristãos uma vida simples e uma fé verdadeira, em breve começará a
ser uma presença estável em torno de aldeias urbanas, que requer dos
protocolos canônicos autorização das autoridades, mediante apresentando
as credenciais apropriadas; e com apoio e incentivo do Sumo Pontífice.
Diz
Frei Natalio: No início da fundação da Ordem, quando ainda eram poucos
os irmãos e os conventos não haviam se estabelecido, São Francisco foi,
por devoção, a Santiago de Galícia, levando consigo alguns irmãos.
Chegando lá, se falavam durante a noite em oração na igreja de Santiago,
quando foi revelado por Deus a Francisco que teria que fundar muitos
mosteiros em todo o mundo, uma vez que a Ordem havia de se expandir e
crescer com uma grande multidão de irmãos. Esta revelação moveu
Francisco a fundar conventos naquelas terras.
Outro
tom muito mais firme tomará o discurso a partir da certeza da presença
de Francisco, em vários lugares que dizem "San Francisco de Asís estuvo
aquí". É, sem dúvida, uma tradição tão forte merece ser levado muito a
sério.
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Marco no início do Caminho Aragonês, em Somport, Pirineus: por aqui Francisco teria entrado na Espanha
Explica
frei Natalio que a linha que une os lugares cujas tradições poderiam
ser consideradas mais fundamentais forma uma viagem de ida e volta, que
entraria por Navarra ou pelo Caminho Aragonês e terminaria em Barcelona.
Abaixo os pontos onde há vestígios dos passos de Francisco no Caminho
de Santiago de Compostela.
Undués de Lerda
Neste
lugar do Caminho Aragonês a população conversa na memória que São
Francisco se hospedou numa casa na esquina Noroeste de um cruzamento de
caminhos, saindo para Sangüesa.
Rocaforte – Sangüesa
A
presença de São Francisco em Rocaforte, no Caminho Aragonês, é estudada
pelos Capuchinhos de Sangüesa, conforme trabalho do frei Lucio
Aranguren. Rocaforte foi a “Civitas Sancosa” dos romanos. Em 1057 o rei
Sancho IV, de Peñalén, doou a seu tio Ramiro, rei de Aragão, a vila de
Sangüesa la Vieja junto com as vilas de Lerda y Undués. Entre os
edifícios notáveis de Sangüesa la Vieja estão a Igreja Paroquial de
Santa Maria, reconstruída no século XVI, a ermida de São Miguel e a
capela dedicada a São Bartolomeu, que foi convento franciscano.
A
tradição local diz que São Francisco chegou à capela de São Bartolomeu,
onde falou de paz ao povo desta cidade envolvido em conflitos internos e
inimizade, tal como se conta em Pamplona, onde se celebra a festa da
pacificação dos Burgos, graças à intervenção de São Francisco. E ao lado
desta capela fundaria Francisco de Assis, ou seus irmãos, o primeiro
convento franciscano em Espanha, onde viveram os freis durante 50 anos,
até que em 1266 Teobaldo II fundou uma igreja franciscana em Sangüesa,
onde hoje habitam os franciscanos capuchinhos. O que hoje resta do
edifício de São Bartolomeu e do mosteiro franciscano está em ruínas e
abandonado.
Entramos
no terreno da lenda, quando se diz que uma amoreira no jardim do
convento botou da vara de Francisco peregrino. Waddingo, no início do
século XVII, recorre também à tradição desta amoreira plantada por São
Francisco em Rocaforte e outros cronistas falam de uma fonte e uma pedra
chamada "del descanso de San Francisco" por seu amor a ela.
Rocaforte
seria, segundo Gonzaga, o lugar onde Francisco, a Caminho de Santiago,
pediu a Bernardo de Quintavalle para ali ficar cuidando de um doente,
como conta o autor de “Actus B. Francisci et sociorum”, obra composta no
século XIV, antes de 1328, embora tomando fragmentos e notícias
escritas no século XIII.
Já Aranguiz faz menção em sua obra de uma casa em Sangüesa onde Francisco se hospedou estando doente.
Olite
Esta
localidade está próxima ao Caminho Aragonês tradicional. A igreja de
Santa María la Real de Olite que data do século XIII tem uma grande
fachada gótica-românico, que consiste em um rosetón e um portal de 8
arcos, que abrigam um tímpano com cenas da infância de Jesus. Estas
esculturas estão relacionadas com o portal Norte da Catedral de Notre
Dame de Paris. Erguida junto ao palácio, nunca foi a capela real, apesar
de ter sido usada por monarcas navarros nas grandes festividades e atos
solenes. O convento franciscano de Olite também data do século XIII,
embora não seja sua construção atual.
Dos
capitéis laterais que sustentam as arquivoltas quatro estão
historiados. Estão neles representados três franciscanos, um deles é
identificado mediante um talismã em suas mãos, onde se lê: "Franciscus
Penitens”. Não necessariamente estão dizendo que Francisco passou por
aqui. Poderia tratar-se de uma admiração pessoal do pedreiro sobre um
Francisco de Assis que conheceu ou dele teve boas recomendações.
Cañas
As
freiras cistercienses de Cañas, pueblo próximo ao Caminho Francês
tradicional, guardavam entre suas tradições orais o lugar onde se achava
o túmulo da abadesa Urraca López de Haro, que morreu com “perfume” de
santidade em 1262 com 92 anos. E outra tradição oral não escrita em
nenhum lugar era a que São Francisco em sua passagem por este lugar a
caminho de Santiago ficou no mosteiro e iniciou uma grande amizade com
esta mulher.
Em
1898 foi realizada escavação para localizar a referida sepultura e seu
corpo foi encontrado incorrupto, no lugar descrito pela tradição. O
túmulo tem uma grande riqueza escultural, que narra os assistentes no
funeral da abadesa.
Entre
as histórias contadas, no túmulo de pedra está o cortejo fúnebre com
todos os presentes. Entre eles, dois freis franciscanos que, segundo a
tradição local, seriam franciscanos que viajavam com Francisco a
Santiago de Compostela, deixados por ele para participarem do funeral
desta mulher em atenção à amizade surgida entre eles.
Santo Domingo de la Calzada
O
Parador de Santo Domingo de la Calzada, no Caminho Francês, ocupa um
antigo hospital do século XII, ao lado da Catedral, construída por Santo
Domingo para acolher os peregrinos que viajavam pelo Caminho de
Santiago. Entrando nele se encontra uma placa com a inscrição: "São
Francisco esteve aqui”.
Burgos
Gil
González Dávila, cronista dos reinos de Castela e das Índias em torno
de 1600, oferece uma escritura do século XIII em que Bernardo, Ministro
Provincial dos Trinitários de Burgos doa a Francisco e seus companheiros
um terreno na cidade de Burgos, no Caminho Francês. Este nome de
Bernardo está atestado na documentação mantida no Arquivo Histórico
Nacional.
Conta
Gonzaga que aqui Francisco se retirou a uma capela chamada São Miguel. E
que teve a oportunidade de estar com o rei de Castela, a quem
apresentou à Regra da sua Ordem. Este encontro de Francisco com o rei
Fernando III, o Santo, e sua esposa Dona Beatriz teria sido gravado no
grupo escultórico na porta da Coronería. Diante de Francisco estão Santo
Domingo e o bispo D. Mauricio, este encarregado de apresentar ambos ao
rei.
O
mestre deste portal mostra muitos pontos em comum com o responsável
pelo portal do Juízo no pórtico ocidental da Catedral de León. O modelo
vem da Catedral de Reims.
Um dos personagens é, de acordo com a tradição local, São Francisco de Assis, identificado pelo cordão.
Nas
mãos leva o que parece ser uma oferenda, uma credencial que pode
sugerir, como disse Atanásio Lopez, que a escultura está representando
Juan Parente, que veio em 1219 apresentando suas credenciais como
Ministro Provincial a bispos e governantes.
Poderia
evocar a tradição, tantas vezes repetida, de que Francisco aceita um
terreno para a sua fundação, e para mostrar que não toma simplesmente a
propriedade, carrega uma oferenda ao doador como locação.
León
Com
idêntica estrutura decorativa se repete na Catedral de León, no Caminho
Francês, a cena do juízo final, no portal central do Ocidente, também
conhecida como a Virgem Branca. Curiosamente mudam, com relação ao
portal da Catedral de Burgos, a posição de Maria e João, ajoelhados,
agora como os dois anjos que acompanham Cristo.
A
representação escultórica mostra um franciscano, que a tradição diz ser
San Francisco, com a capucha fechada e conversando com o Rei San
Fernando III. Entre eles está uma mulher que Sánchez Cantón alega
representar Santa Clara.
Ambos
conjuntos escultóricos de León e Burgos provam a força da nova presença
mendicante no Reino de Castela e, talvez, a alta estima e a proteção
que o rei de Castela, San Fernando III, dispensou a ambas Ordens – mas
não necessariamente a presença de São Francisco nestas cidades.
Villafranca del Bierzo
No
convento das freiras de La Anunciata, em Villafranca del Bierzo, no
Caminho Francês, é preservada, segundo o testemunho de Atanásio López,
um manuscrito de 1606, onde se lê: “É tradição antiga que a casa onde
vivem os Padres Vicarios foi a primeira que teve São Francisco neste
lugar, e que pousou nela quando passou a Santiago e tem por coisa
certa".
Segundo
Jacobo de Castro, São Francisco passou por este lugar a Caminho de
Compostela. Se havia hospedado no hospital do senhor Santiago, hoje
convento de Clarissas, junto ao qual a cidade cedeu terreno para
instalar uma ermida em que ficaram dois freis. A história do lugar diz
que o primeiro mosteiro foi doado pela rainha Dona Urraca em 1213.
Em
Villafranca Atanásio López situa o milagre do leproso que, apesar de
amaldiçoar Deus pela sua infelicidade, foi tratado por Francisco e, por
sua caridade, o doente recuperou a paz interior e o perdão de Deus.
Santiago de Compostela
Diz
Frei Natalio: “José García Oro já fixou o que esta tradição tem de
história documentada e o que tem de lenda. Então, eu apenas resumo o seu
trabalho”.
Monastério de San Martín Pinario de Santiago
A
tradição conta que este mosteiro beneditino deu a Francisco um solar no
lugar Valdedeus, para a construção do seu convento. Em troca Francisco
se comprometeu a que seus irmãos pagassem uma cesta de peixes a cada ano
como aluguel. Este contrato e relato é cópia do que foi feito entre
Francisco com os beneditinos de Subasio, para a concessão da capela de
Santa Maria dos Anjos, ou Porciúncula. O escrito contando esta história
foi apresentado em 1554 ao príncipe Felipe II, em sua passagem a
Inglaterra. A Crônica dos XXIV Gerais, do século XIV, narra que em 1217
Francisco enviou Bernardo de Quintavalle e outros frades para receber os
lugares adquiridos na Província de Santiago.
Um cidadão chamado Cotolay
A
lenda oral – e escrita em suporte de pedra, do século XVI, preservado
no convento de Francisco em Santiago –, diz que Cotolay era humilde
carvoeiro, que morava no Monte Pedroso, ao lado da capela românica de
San Paio. Cotolay havia acolhido Francisco em sua casa e na capela. É
uma tradição consolidada no final do século XVI, coletada pelo
historiador Gonzaga.
“Viniendo
Nuestro Padre San Francisco a visitar al Apóstol Santiago, hospedole un
pobre carbonero llamado Cotolay, cuya casa estaba junto a la ermita de
San Paio en la falda del monte Pedroso. De allí salía el Santo al monte a
pasar las noches en oración. Allí le reveló Dios era su voluntad la
edificación de un convento en el sitio donde está, llamado Val de Dios y
Val del Infierno, y sabiendo el Santo era del monasterio de San Martín,
pidióselo al Padre Abad por amor de Dios y ofreció ser su forero y
pagar en cada año un cestito de peces. Aceptó el padre abad y de ello se
hizo foro firmando el Santo, del cual dan fe los ancianos de San Martín
han visto y leído. Habido el sitio dijo el Santo a Cotolay: “Dios
quiere que me edifiques un convento de mi orden”. Respondió Cotolay que
cómo podía un pobre carbonero – “Vete a aquella fuente” - dijo el Santo -
que allí te dará Dios con qué. Obedeció Cotolay y halló un gran tesoro
con el que edificó este monasterio. Bendijo Dios a la casa de Cotolay;
casó notablemente. Fue regidor de esta ciudad y edificó los muros de
ella que ahora van junto a San Francisco y antes iban por la
Azabachería. Su mujer está enterrada en la Quintana y Cotolay, fundador
de esta casa, en este lucilo que para sí escogió. Falleció santamente el
año del Señor de 1238”. Esta inscrição está esculpida em pedra na
entrada do convento, que data do século XVI.
Buen Camino!
Frei Juan Natalio Saludes Martinez pode ser contatado pelo e-mail juannataliosm@yahoo.es, site http://kmtau.org
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martes, 11 de marzo de 2014
Centenario de San Francisco peregrino
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