lunes, 10 de junio de 2013

Albergues del Camino


A grande casa cor-de-rosa

A grande casa cor-de-rosa

Em Portugal há vários albergues para quem está em peregrinação para Santiago de Compostela. Um deles, a Casa do Arnado, na Póvoa de Varzim, tem um charme especial.
Reformou-se da guerra, é casado e tem dois filhos. Apesar de não ser um homem religioso, Leland Barkell decidiu, no ano passado, fazer a pé o caminho francês para Santiago de Compostela. O ex-fuzileiro americano, com 55 anos, conheceu muitos peregrinos que lhe falaram do caminho português. Ficou curioso. Regressou a Los Angeles e, enquanto planeava a viagem com a mulher, inspirou-se na personagem de Martin Sheen no filme The Way . «A minha mulher magoou-se num pé e não podia caminhar mas disse que não era justo para mim adiar a viagem, que me preparei tanto, e quis que viesse sem ela», conta.
E assim fez. No final de fevereiro deste ano preparou as malas e partiu em direção a Lisboa. A intenção era, inicialmente, começar a peregrinação na capital portuguesa. «Mas havia muito trânsito, muito barulho, era impossível», recorda o ex-fuzileiro. Meteu-se num comboio até ao Porto, onde começou a jornada. Mas não foi fácil. «Andei perdido na cidade e não sabia onde havia de dormir. Fui ter a um quartel de bombeiros e foram muito simpáticos, deram-me de comer e abrigo», conta Leland. A verdadeira jornada começou aí.
Após a partida do Porto, Leland passou a primeira noite no albergue para peregrinos de São Pedro de Rates, na Póvoa de Varzim, e a seguinte em Barcelos. A terceira, uma noite de tempestade, foi passada na Casa do Arnado, em Ponte de Lima, mais ou menos a meio caminho da fronteira com Espanha. Leland descansou numa das três camaratas da grande casa cor-de-rosa, com a alemã Elke, de 50 anos, que conhecera durante o dia. Repousar após um longo dia a caminhar debaixo de chuva e vento é bom, mas quando o abrigo oferece vistas ímpares para o rio Lima e para a vila mais an tiga de Portugal a troco de cinco euros, ainda é melhor. «O vosso país é lindo. Quero voltar no próximo ano, mas vou trazer a minha mulher», diz.
O abrigo de peregrinos de Ponte de Lima é uma das estações do caminho português de Santiago - ou seja, da peregrinação que começa em Portugal e se chama Caminho Central e que já é a segunda das rotas mais procuradas. É gerido pela autarquia, mais precisamente por Ovídio Vieira, responsável pelo espaço, técnico superior da Câmara. Está aqui desde a abertura, em julho de 2009, e é, também ele, um peregrino. «Faço uma caminhada, pelo menos uma vez por ano.» A última começou-a em Lyon, França, passou por Oviedo, Finisterra e terminou em Santiago de Compostela. «Uma vez peregrino, toda a vida peregrino», diz.
À hora de jantar, Selma, de 24 anos, e Christina, de 23, uma estudante e uma funcionária de um call center , ambas alemãs, tinham ido à mercearia ali perto comprar esparguete, atum e legumes. Juntaram-se na cozinha do casarão a Elke e Leland, servindo de intérpretes entre ambos. «Pelo caminho até Ponte de Lima, sempre que encontrávamos cafés com internet, procurávamos o Google tradutor e conversávamos, foi assim que nos ficámos a conhecer», explica, a rir, o ex-fuzileiro.
Ovídio Vieira explica que «neste, como nos outros albergues de peregrinos, as pessoas podem usufruir de todos os espaços da casa, sob o lema usa/limpa». Todos os espaços são de partilha. A cozinha, a lavandaria ou a sala de estar, com um ponto de internet. «Aqui, as pessoas podem falar com os familiares, via Skype, matar saudades de casa.» No inverno, os peregrinos são menos, mas no verão «enchem os terraços da casa e muitos aproveitam para dormir nos jardins, depois de comerem e conviverem lá fora». Afinal, é uma oportunidade em poucas que se tem para aproveitar um espaço que, por um lado, é partilhado com o Museu do Brinquedo Português e, por outro, proporciona vistas para a vila, do outro lado do rio. No verão, até missas se celebram nos grandiosos jardins: «É um espaço de liberdade mas também de partilhas», diz o responsável.
O jantar pronto e o grupo encaminha-se para uma mesa com uma jarra com cravos vermelhos. «A empregada da limpeza coloca todos os dias flores frescas. Ela diz que uma casa só é casa se tiver flores», diz Ovídio. Entretanto, chegaram também Pedro Alegria e Pedro Albuquerque. A noite cerrou por completo. Passava pouco das sete da tarde. A chuva caía com intensidade e o vento soprava com força. Foi o primeiro dia de jornada destes dois portugueses para Santiago de Compostela. De bicicleta. O primeiro já fez a viagem três vezes, o segundo estava a experimentar. «O tempo não ajudou, mas não era por causa dele que íamos ficar em casa. Já tínhamos planeado esta viagem há muito tempo», explicaram os jovens portuenses, convencidos de que conseguiriam completar a jornada em três dias. «Estamos habituados a andar de bicicleta, ao ar livre, e a associação à peregrinação a Santiago de Compostela surgiu naturalmente», prosseguiram. Cansados, só queriam despir as roupas molhadas tomar um duche quente, «comer qualquer coisa» e descansar para partir cedo, na manhã seguinte. A política do albergue de peregrinos é rígida mas democrática. Às dez da noite, é hora de recolher, a partir das sete da manhã, hora de partir. «Só podem permanecer mais do que uma noite por motivos de força maior, como uma doença. O albergue serve para isso mesmo, dar abrigo por uma noite», diz Ovídio.
O americano Leland não atribui um caráter religioso à sua peregrinação. Fá-lo por gosto. «A caminhada, para mim, significa paz, reflexão e significa também conhecer pessoas.» Como Elke, a contabilista de 50 anos que ficou a conhecer o caminho português de Santiago através de um livro. «É mágico», diz, através da tradutora de circunstância Christina, que começa a dar sinais de cansaço extremo. Não admira. Chegou a Portugal com a amiga Selma à boleia e, no Porto, decidiram fazer a peregrinação a Santiago. «Pela experiência», diz. Pensava ser mais fácil: «No primeiro dia andámos 27 quilómetros e no segundo outros tantos. Temos os pés com bolhas. Estamos cansadas. Vamos repensar a nossa viagem». Jantaram, lavaram a louça. Eram horas de dormir. Passava pouco das oito. O silêncio imperava. Chegou mais um peregrino solitário. As luzes do casarão cor-de-rosa apagam-se por fim.
Caminhos portugueses para Santiago
Os dois principais caminhos portugueses para Santiago de Compostela, com partida do Porto, ficam a cerca de 250 quilómetros. Um deles, a partir da Sé do Porto, vai depois por Rates, Barcelos, Ponte de Lima, Valença, Tui, Redondela, Pontevedra, Padrón e, finalmente, Santiago de Compostela. O outro trajeto, pela costa, com partida do Porto, passa por Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Esposende, Viana do Castelo, Caminha, La Guardia, Baiona, Vigo, Redondela, Pontevedra, Padrón e Santiago.
Conselhos para peregrinos
Quem pretende fazer uma caminhada a pé deve ter em atenção vários pormenores importantes com a viagem. Além de sinalizar os albergues onde vai pernoitar e o calçado, resistente, deve ter ainda em atenção aquilo que leva na mochila, que tem de ser o mais leve possível. O vestuário tem de se adequar com a estação do ano. Nunca mais de três pares de calças/bermudas com elástico, três T-shirts (desaconselha-se o branco) e seis pares de meias: três finas e três grossas. Um agasalho leve, chapéu, luvas de lã para o frio e para proteger-se do cajado. Levar ainda uma toalha de banho pequena, chinelos de dedo e material para higiene pessoal. Há ainda pequenos detalhes, como um cantil com água, um isqueiro, canivete, capa de chuva, uma colher, lanterna, óculos escuros, a concha de peregrino (vieira), o cajado, um estojo de primeiros-socorros e uma pochete para transportar dinheiro e documentos.

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